O alto custo de comer POR EDUCAÇÃO
13/02/2012
A massa é caseira – a amiga deve ter levado horas para preparar. As outras três convidadas elogiam as "mãos cheias" da cozinheira e repetem com fartura. A estudante Andressa Caitano, 21 anos, contudo, não partilha do mesmo entusiasmo. Não gostou muito do sabor e, para completar, não tem lá muito apetite, mas, colherada vai, garfada vem, ela cede. Encara mais uma porção apenas para agradar. Depois disso, ela já sabe o que virá. "Sinto que é uma questão de educação, que é preciso comer para não destoar do grupo, não ficar feio", conta Andressa. "Às vezes, isso me faz mal. Meu estômago rejeita a comida, embrulha. O sabor se torna impalatável, é horrível." Uma pesquisa da universidade americana Case Western Reserve revela que a atitude de Andressa não é nada incomum. A vontade de agradar pode, de fato, fazer com que as pessoas se sintam compelidas a comer além da fome em eventos sociais.
Isso pode até representar um desafio extra na hora de enfrentar uma DIETA. "Todos nós passamos por situações em que comemos para não ofender o cozinheiro. Isso é normal", esclarece Julie Exline, psicóloga líder do estudo. "Quando a atitude é frequente, no entanto, isso pode se tornar um grande problema de saúde, alimentar a sensação de culpa e até colaborar com a OBESIDADE."
O cenário não é estranho a ninguém. Há uma festa, um encontro entre amigos ou até um almoço com colegas de trabalho. Todos comem alguma coisa, na medida de suas vontades e apetites. Todos exceto o "agradador". Ele precisa comer tanto quanto o resto dos colegas, porque acredita que, se não o fizer, os outros se sentirão desconfortáveis ou pensarão que ele é esquisito e não se enquadra no grupo. Diana Freitas, uma universitária de 22 anos, já experimentou essa sensação. "Em happy hours do trabalho, já comi coisas de que nem sequer gostava só pela situação social", lembra. "Se todos comessem e eu não, senti que não interagiria e talvez ficasse excluída."
Outra cena comum é aquela em que alguém com uma preocupação em manter uma DIETA SAUDÁVEL cede a frituras e gorduras para não chatear ninguém. É o caso da universitária Luiza Martins Costa, 25 anos. "As refeições são momentos prazerosos, ocasiões que reúnem a família ou os amigos, reforçando vínculos ali existentes", comenta a estudante. "Algumas pessoas fazem muita questão desses rituais, portanto, acho inconveniente desagradar."
A equipe da Case Western Reserve simulou, em laboratório, uma situação parecida com as vividas por Andressa, Diana e Luiza. Um conjunto de 101 jovens voluntários (41 homens e 60 mulheres) respondeu a um questionário elaborado por psicólogos para medir o quanto eles estavam dispostos a contrariar a própria vontade só para satisfazer aos outros. Em seguida, foram separados em grupos menores e entrevistados em salas separadas. Entre eles, foi implantada uma falsa voluntária, uma atriz cuja missão era comer pastilhas de chocolate M&MS e oferecê-las aos colegas depois.
O teste mostrou que as pessoas com mais preocupação em agradar tinham mais dificuldade em dizer não aos chocolates oferecidos. Mais: elas não conseguiam parar de comer enquanto o outro não fizesse o mesmo, ainda que estivessem satisfeitas. "Não era nem preciso que a modelo fizesse qualquer tipo de pressão. Essas pessoas tentavam, voluntariamente, "empatar" com a quantidade de comida ingerida por ela", diz Julie. "Quanto mais preocupada em satisfazer ao grupo, mais a pessoa sentirá essa pressão invisível, mesmo que nada seja dito." Depois, muitos desses voluntários descreveram uma sensação de desconforto, ou até de culpa, por terem comido demais.
Ameaças
A tendência a agradar a todo custo tem um nome: sociotropia. "O sociótropo é alguém extremamente sensível a qualquer ameaça às suas relações pessoais", explica Denise Pará Diniz, psicóloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Receia ser desaprovado e teme a solidão. Ele sempre age de forma a atender às necessidades de seus relacionamentos e coloca isso acima da própria felicidade." A sociotropia é medida pelos psicólogos em graus, usando a chamada escala de sociotropia-autonomia de Beck. Os indivíduos são posicionados nesse "termômetro de personalidade" entre os extremos "autonomia" e "sociotropia". Espera-se que aqueles que têm boa saúde mental apresentem uma combinação equilibrada entre os dois extremos – ou seja, sacrifiquem-se em nome das relações pessoais, mas sem agredir a própria personalidade.
"A comida está intimamente ligada às manifestações de afeto – a culinária das avós é o exemplo máximo disso", comenta Cecília Zylberstajn, psicoterapeuta de adolescentes e adultos. "Por essa razão, é natural que o sociótropo tema falhar especificamente nesse aspecto", explica Cecília. A especialista acredita ainda que as conclusões do estudo sejam válidas também para o efeito oposto: a vontade de agradar pode levar as pessoas a deixar de comer.
Em seu consultório, Cecília já viu passar dezenas de mulheres que desenvolveram distúrbios alimentares, como a anorexia e a bulimia, influenciadas pelo desejo de se encaixar nos padrões alimentares – e estéticos, claro – do grupo. "Entre as adolescentes, principalmente, é comum que meninas magras entrem de DIETA só porque é uma moda da turma", afirma. Seria engano, porém, concluir que a sociotropia é um problema só das mulheres. O experimento de Julie mostrou que, ao menos no que diz respeito aos hábitos alimentares, os homens estão tão sujeitos a ela quanto as mulheres. "Essa descoberta nos surpreendeu, já que acreditávamos que as mulheres temessem mais arriscar suas relações interpessoais do que os homens", admite a pesquisadora.
Efeitos amplos
Muito além do prato, a sociotropia pode afetar vários aspectos da vida de uma pessoa. Em geral, os sociótropos agirão em desacordo com seus sentimentos pessoais no trabalho, nos relacionamentos amorosos e na maneira de expressar sua opinião. Eles também têm mais tendência a consumir drogas, álcool e cigarros quando pressionados pelo grupo. Em alguns casos, podem até ocultar as próprias conquistas, por medo de serem rejeitados pelo grupo devido à inveja. "Por serem extremamente vulneráveis à aprovação e desaprovação alheia, essas pessoas ficam mais sujeitas a distúrbios emocionais como a depressão e a ansiedade", explica Denise.
A boa notícia é que, sob essa perspectiva, a questão alimentar se torna um problema relativamente simples de ser resolvido. "A melhor maneira de combater essa atitude é ter consciência dela. Quando você estiver em um evento social, vale a pena se questionar com frequência: "Por que estou comendo? Eu realmente quero isso?"", aconselha Julie. "É também preciso um pouco de coragem, para correr o risco de ferir os outros. E lembrar, é claro, que todos são capazes de compreender uma DIETA ou que alguém tem apetite de passarinho." O esforço vale a pena, certifica Cecília. "Afinal, do estômago às relações sociais, não há nada que traga mais felicidade psicológica do que ser verdadeiro consigo mesmo".
Palavra de especialista
Para identificar
um sociótropo
"Trata-se de um sujeito extremamente sensível a acontecimentos que possam ameaçar seu suporte social. Em geral, teme o abandono e a solidão e precisa de atenção constante. Por isso, busca intimidade com o outro e a constante aprovação de suas atitudes, a fim de obter segurança e atenuar os receios de rejeição. Não se pode dizer que a sociotropia é uma doença, mas, sim, um aspecto da personalidade. Esses indivíduos, contudo, tornam-se mais suscetíveis e vulneráveis aos problemas de ordem emocional, como quadros depressivos e ansiosos. Muitas vezes, tornam-se pessoas mal adaptadas social e profissionalmente. Nesses casos, é aconselhável o tratamento com psicoterapia." Alexandre Pinto de Azevedo, é médico psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Autor: CORREIO BRAZILIENSE – DF