
Cozinha lugar de todos
08/03/2017
Miriam Nobre: Uma visão feminista do cozinhar
A 6ª edição da Revista Ideias na Mesa traz a entrevista com a agrônoma Miriam Nobre, integrante da Sempreviva – Organização Feminista e militante da Marcha Mundial das Mulheres. No movimento de mulheres, ela tem dedicado importante espaço à discussão sobre as transformações do papel feminino no cuidado com a família e especialmente ao cozinhar.
Ideias na Mesa: Em grande parte das culturas, a mulher sempre foi responsável pelas atividades relacionadas
ao cuidado da família e da alimentação dos seus, por gerações. Como você vê a relação da mulher com o cuidado da família e com cuidado da alimentação atualmente?
Miriam Nobre: Este é um trabalho invisível e quando os homens se envolvem nessas tarefas é como exceção,
como ajuda. Além das mulheres serem responsabilizadas por isso sozinhas, envolvendo grande sobrecarga
de trabalho, ainda não está na agenda política o debate de como diminuir ou melhorar esse trabalho.
Ideias na Mesa: Algumas abordagens identificam que um dos fatores que levaram à desestruturação dos hábitos alimentares tradicionais, do ato de cozinhar e da comensalidade foi a entrada da mulher no mercado de trabalho.
Como você vê esse argumento e essa relação?
Miriam Nobre: Não dá para responsabilizar as mulheres por todos os pecados do mundo. As mulheres sempre trabalharam, houve aumento do número de mulheres com jornadas extensas, que passaram a trabalhar longe de
casa. Claro que isso mudou a forma como se organiza a questão do trabalho na casa por causa do tempo. Quando a gente olha as pesquisas de uso do tempo, o aumento das horas que os homens dedicam aos afazeres domésticos foi baixíssimo ao longo desses anos.
Ideias na Mesa: O ato de cozinhar é considerado fator fundamental para que as pessoas tenham autonomia e independência em relação, por exemplo, a alimentos industrializados e à economia do consumo. Sabe-se que de maneira geral quem cozinha tem uma alimentação de melhor qualidade. O que é necessário para que o cozinhar ganhe espaço na vida de mulheres e homens? Como fazer esse caminho?
Miriam Nobre: A gente que é de classe média, e que tem acesso a refeição fora de casa, por exemplo, tem uma relação diferente daquela das mulheres que cozinham todo dia porque precisam, porque não tem outro jeito. Algumas, quando vão para os movimentos de mulheres, se sentem aliviadas: “Ah, hoje eu não preciso cozinhar”. Acho que pensar nesse cozinhar é bom para fazer a gente ver as desigualdades que existem entre homens e mulheres, quem cozinha e quem não. E até entre as mulheres, porque tem muitas mulheres que comem bem porque tem outra
mulher na casa delas, que resolve tudo. Então, ao olhar pra isso e enfrentar essas desigualdades em processos
coletivos, isso vai abrindo agenda para tudo. Porque aí a gente tem de falar da redução da jornada de trabalho, de
ter um transporte coletivo de qualidade, de ter distribuição de alimentos in natura perto das nossas casas, é também uma questão de políticas públicas e restruturação de território.
Confira a entrevista na íntegra
Fonte: Ideias na Mesa