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Aliança lança nota pública sobre a parceria da prefeitura de São Paulo com a ABIA

Aliança lança nota pública sobre a parceria da prefeitura de São Paulo com a ABIA

05/05/2017

No mês de fevereiro desse ano de 2017, a prefeitura do Estado de São Paulo iniciou uma parceria com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) e o SESC São Paulo com o objetivo de implementar o projeto “Alimento Solidário”.
Nessa parceria, a ABIA vai doar 222 toneladas de alimentos que terão como destino prioritário equipamentos vinculados à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Então, agora os Equipamentos Públicos de Segurança ALimentar e Nutricional do estados de São Paulo receberão doações de alimentos das seguintes empresas:
-3 Corações,
-Bimbo,
– Bonduelle,
– Brasil Kirin,
– Danone,
– Kellogg’s,
– Mars,
– Mondelez,
– Nestlé,
– Pepsico,
– Unilever,
– Vigor
– Coca Cola
– Wow Nutrition
– DSM (fabricante de vitaminas, carotenoides e lipídios nutricionais, entre outros, vai contribuir, em um primeiro momento, com consultoria e informações técnicas nutricionais)
Analisando esses parceiros você percebe a incoerência no projeto? Como Equipamentos que foram desenhados e planejados para garantir o Direito à Alimentação ADEQUADA E SAUDÁVEL vai começar a distribuir alimentos que contrariam os princípios da Segurança Alimentar e Nutricional?
Pensando nisso, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado de São Paulo, junto com a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e seus parceiros, enviaram uma nota pública sobre o programa, encaminhada ao prefeito da cidade com o objetivo de alertar as autoridades e gestores públicos responsáveis por esta parceria dos graves riscos que sua execução pode trazer para a saúde das pessoas assistidas.
Confira a carta na íntegra:
Nota pública sobre o programa Alimento Solidário da Prefeitura Municipal de São Paulo
São Paulo, 04 de maio de 2017.
Exmo. Sr.
João Dória Júnior
Prefeito do município de São Paulo
Prezado Sr. Prefeito,
Ao tomarmos conhecimento do programa Alimento Solidário, que estabelece parceria entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação, vimos respeitosamente à sua presença apresentar as seguintes reflexões:
– o propósito de oferecer “complemento nutricional” a cidadãos em vulnerabilidade caberia caso o atual atendimento alimentar destinado aos programas sociais fosse insuficiente frente à demanda. Este fato não parece corresponder à realidade, a considerar a fala do Sr. Secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará “…os convênios que a gente tem já garantem a alimentação dessas pessoas em situação de rua que estão na rede da Prefeitura”. Neste caso, talvez a parceria resultasse na diminuição da oferta dos alimentos atualmente destinados à esta população com economia de recursos ao município, o que poderia ser um argumento frente ao valor que a doação representa (R$1,5 milhão). Já se comprovou que o consumo de alimentos de baixa qualidade nutricional – tipicamente baixa densidade nutricional acompanhada de elevada palatabilidade – traz prejuízos à saúde, como a obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e outras doenças associadas, em grande medida devido ao excesso de calorias e por alterarem os mecanismos de controle do apetite.
– a aparente economia de R$1,5 milhão que o programa levaria aos cofres públicos fica bastante pequena frente ao potencial aumento nos custos em saúde que o aumento da oferta de alimentos de baixa qualidade nutricional à população atendida pelo programa “Alimento Solidário” (que atenderá 8.000 pessoas em situação de rua pelas estimativas da própria prefeitura) potencialmente representariam para a Prefeitura de São Paulo. A partir de estimativas publicadas em revistas científicas relacionadas aos custos anuais diretos e indiretos com o cuidado somente da diabetes no Brasil (cerca de R$2.950/paciente), por exemplo, os novos 8.000 potenciais casos de diabetes representariam gastos anuais de até 23,6 milhões de reais à Prefeitura de São Paulo.
– a desnutrição, ou os desvios nutricionais causados por dietas de baixa qualidade, é uma condição que classicamente acompanha a pobreza e a escassez de alimentos; de forma aparentemente paradoxal, o excesso de peso, considerado um desvio nutricional já mais importante do que a desnutrição na população brasileira, também está associada às condições de pobreza e baixo acesso a alimentos saudáveis. As consequências deste cenário já foram registradas em grupos expostos ao consumo de alimentos ultraprocessados, no Brasil e em outras partes do mundo.
– nos últimos anos vêm sendo observadas mudanças nos padrões alimentares dos brasileiros que sinalizam a substituição de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias por alimentos ultraprocessados, o que tem trazido prejuízos à dieta, como o consumo excessivo de sódio, açúcar, gorduras e calorias, e prejuízos à saúde, como o aumento nas prevalências de obesidade e doenças crônicas, principais causas de morte no Brasil. O Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, apresenta a seguinte “regra de ouro”: Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados. A recomendação para evitar alimentos ultraprocessados também traz a questão de como as formas de produção, distribuição, comercialização e consumo destes produtos afetam de modo desfavorável a cultura, a vida social e o meio ambiente. Quando a Prefeitura de São Paulo firma parceria com a ABIA, que representa os produtores de alimentos ultraprocessados, e recebe doações deste produtos, é inevitável que esta incoerência venha à tona. Se é papel da prefeitura promover a saúde da população paulistana, inclusive daqueles em situação de rua, como estas doações de alimentos ultraprocessados podem ser aceitáveis?
– outro ponto que precisa ser problematizado sobre esta parceria é o conflito de interesses, tão presente nas relações público-privadas. É fundamental que as doações sejam orientadas ao interesse público e que o perfil do doador e suas práticas sejam observados antes de firmar a parceria. Nos preocupa a divulgação da marca da ABIA como doadores de um programa nomeado “Alimento Solidário”, quando, na realidade, a referida associação se opõe constantemente a políticas públicas de promoção da alimentação adequada e saudável. Como exemplo disso podemos citar os casos da rotulagem de transgênicos e da tentativa de regulamentação de publicidade de alimentos ultraprocessados, que foram judicializados por essa associação.
– A DSM Produtos Nutricionais, fabricante de vitaminas, carotenoides e lipídios nutricionais, entre outros, também representada pela ABIA, é uma das parceiras do programa. Vai contribuir, em um primeiro momento, com consultoria de informações técnicas nutricionais. É importante relembrar que a prefeitura já conta com capacitada equipe técnica de nutricionistas e outros técnicos capazes de responder de forma adequada e isenta de conflitos de interesses aos necessidades da população paulistana considerando o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.
– ao mesmo tempo, nesta gestão estamos acompanhando cortes em programas fundamentais para a promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e efetivação da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que sinaliza a redução para apenas três porções semanais de frutas e hortaliças oferecidas às crianças (é importante ressaltar que atualmente São Paulo oferece 12 porções semanais). Retrocessos em relação às compras públicas da agricultura familiar e de alimentos orgânicos também estão sendo observados. São Paulo tem um Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional vigente até 2020 que traz as diretrizes para a promoção do DHAA e da SAN e a redução das desigualdades. Apesar disso, diversas atividades, programas e ações não conseguem ser implementados por falta de recursos e/ou vontade política.
Por estes motivos, a Prefeitura de São Paulo apresenta, por meio desta parceria, uma ação que tem grande chance de comprometer ainda mais a qualidade de vida do público alvo, já sujeito a agressões pela sua inadmissível condição de vulnerabilidade social. Esta parceria, pode, ainda, acarretar um aumento nos gastos com cuidados de saúde a um sistema já bastante deficitário. Problemas de assistência à saúde estão repetidamente entre as principais queixas da população paulistana, levando o Sr. Prefeito João Dória a repetidamente colocar que a melhora da assistência à saúde da população paulistana é uma das principais metas de sua gestão. Ademais, em seu recém publicado Plano de Metas, a Prefeitura de São Paulo coloca a assistência à saúde em seis das metas apresentadas. De parte do setor produtivo, é patente a existência de grupos em que os interesses econômicos se sobrepõem ao Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável, operados na forma de campanhas e programas que ampliam a visibilidade de seus produtos com clara demonstração de conflito de interesses e que contrariam a busca pelo bemestar social. Esta carta está acompanhada de referências da literatura que podem contribuir para a compreensão da magnitude do problema que pretendemos endereçar.
Em nome da rede de pesquisadores e representantes de associações civis que compõem a Aliança para Alimentação Adequada e Saudável, manifestamos nossa preocupação com os desdobramentos desta parceria, e apelamos para que se evite, a todo custo, ampliar na rotina alimentar dos sujeitos atendidos pelos programas da PMSP, a presença de biscoitos, cereais prontos para o consumo, bebidas açucaradas, alimentos de preparo instantâneo e todo o tipo de produto assim classificado, conforme diretriz nacional estabelecida por meio do Guia Alimentar para a População Brasileira.
Estamos desta forma exercendo o direito legítimo de manifestação para alertar as autoridades e gestores públicos responsáveis por esta parceria dos graves riscos que sua execução pode trazer para a saúde das pessoas assistidas.
Esperando merecer a atenção de V. Sa. e de sua equipe técnica para estes argumentos, subscrevemo-nos,
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Fonte: Ideias nas Mesa