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Governo define linha e chega a 16,2 milhões de pessoas, mais do que previa a Pnad

04/05/2011

Demétrio Weber
BRASÍLIA
Ao anunciar ontem a linha de pobreza extrema que adotará como critério para delimitar o universo de miseráveis no Brasil – renda familiar de R$70 mensais por pessoa -, o Ministério do Desenvolvimento Social divulgou um dado surpreendente: o número de brasileiros miseráveis chega a 16,2 milhões, de acordo com a versão preliminar do censo do IBGE, de 2010. Nada menos do que 8,5% da população. A surpresa está no fato de que, em 2009, o número estimado era bem menor, na faixa de 10 milhões de pessoas ou cerca de 5% da população, conforme a Pnad, do próprio IBGE.
Se os dados preliminares do Censo estiverem corretos, a promessa da presidente Dilma Rousseff de erradicar a pobreza extrema em quatro anos será uma tarefa mais difícil que o previsto. O Censo aumenta os miseráveis em 60%, sugerindo ainda que o número de extremamente pobres aumentou em 2010, último ano do governo Lula.
A definição de uma linha oficial de pobreza extrema faz parte do Plano Brasil sem Miséria, que será lançado por Dilma nas próximas semanas. O objetivo é deixar claro o tamanho do público-alvo do plano de erradicação e permitir a fixação de metas. O governo não disse ontem como pretende agir para combater a miséria. Apesar de Dilma já ter admitido que será muito difícil cumprir a promessa de eliminar a pobreza extrema, a ministra Tereza Campello disse ontem que a miséria será debelada até 2014:
– De fato, será possível erradicar a extrema pobreza no mandato da presidente Dilma.
A secretária extraordinária de Erradicação da Pobreza, Ana Fonseca, no entanto, enfatizou que isso não significará zerar o número de extremamente pobres. Ela argumentou que isso não ocorre em nenhuma área, citando o exemplo da estatística de pleno emprego no Brasil, onde é tolerável o índice de até 6% de desempregados. Raciocínio semelhante vale para a universalização do ensino na faixa de 6 a 14 anos, considerada uma conquista da sociedade brasileira, apesar de 2% das crianças estarem fora da escola.
– Vamos tirar (o povo da miséria) não só com a ampliação da renda, mas com acesso a serviços públicos – disse Ana. O governo ainda não definiu o percentual de pobreza extrema que será considerado aceitável.
Mais pobres nas áreas urbanas
O Nordeste concentra a maioria dos miseráveis: 9,6 milhões, o equivalente a 18,1% dos nordestinos. Embora só 15,6% da população vivam no campo, quase metade dos miseráveis é de áreas rurais: 46,7%. A Bahia tem mais pobres extremos – 2,4 milhões -, seguida por Maranhão, com 1,6 milhão. O Rio, em 12º lugar, tem 586,5 mil. Os extremamente miseráveis estão mais concentrados nas áreas urbanas que nas rurais.
Em nota, o ministério diz que não se pode comparar Censo com Pnad. "A Pnad é uma pesquisa por amostragem, realizada em 820 municípios (quase 1/7 do total). O Censo é realizado em 100% dos domicílios brasileiros. Os formulários do Censo e da Pnad também são diferentes. Logo, produzem dados distintos", diz o texto. Os dados preliminares do
Censo indicam queda da pobreza na década. Em 2000, 41,3% dos lares tinham renda por pessoa até meio salário mínimo. Esse índice caiu para 32%, em 2010.
A linha de pobreza extrema valerá apenas para o plano de erradicação. Assim, não haverá mudança de critérios nos programas do governo. A escolha do teto de R$70 mensais por pessoa seguiu o parâmetro do Bolsa Família. Hoje, quem está nessa faixa de renda é classificado como extremamente pobre e recebe o benefício básico. O valor de R$70 é próximo também da linha de miséria adotada pelo Banco Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de US$1,25 por dia.
Ela fica logo ali…
Miséria extrema é encontrada de Norte a Sul, com famílias passando todo tipo de necessidades
Letícia Lins
GAMELEIRA (PE). A presidente Dilma Rousseff terá trabalho para cumprir a promessa de erradicar a miséria no país. O problema persiste em sua forma mais dramática, a que os especialistas chamam de extrema, e não é difícil vê-lo de perto. Em Gameleira, na região canavieira de Pernambuco, parte da população mora em casas de taipa, sem água tratada e saneamento. A maioria dos moradores faz de uma a duas refeições diárias, e pelo menos 50% dos pacientes que recorrem à rede pública de saúde da cidade apresentam algum grau de DESNUTRIÇÃO.
Uma visita ao Alto de Santa Terezinha, na periferia da cidade, é suficiente para verificar a extensão do problema. A dona de casa Maria Pereira da Silva, de 47 anos, é um dos exemplos. Moradora em uma casa de taipa sem banheiro, ela teve 17 filhos, dos quais sete não resistiram. Para alimentar a família, conta com uma cesta básica doada pela prefeitura. Maria não é beneficiada pelo Bolsa Família por não ter documentos.
– Aqui em casa nada melhorou. Falta tudo, até comida – diz Maria.
Vizinho de Maria, o casal Heraldo José dos Santos, de 51 anos, e Maria José dos Santos, de 34 anos, vive drama parecido. A comida é racionada para garantir duas refeições por dia para os dois filhos menores. Heraldo tem dificuldade de encontrar emprego. Cortador de cana-de-açúcar, ele não consegue trabalho com carteira assinada desde 1982 e sobrevive com biscates, que rendem por mês R$85, somados aos R$65 do Bolsa Família.
– Vou vivendo de biscate, pegando peixe no rio. Na safra, com sorte, ainda consigo fazer de meio a um salário mínimo por mês.
Na casa de Heraldo tem luz, mas não há água. O fogão é a lenha e somente no período de safra a família consegue comer carne. Normalmente, o café da manhã se resume a fubá. No almoço, fubá com macarrão e, no jantar, arroz branco.
Vizinha de Heraldo, Luçani Vitalina da Silva, de 27 anos e três filhos, também faz fé no período da safra açucareira para melhorar de vida. Foi assim, trabalhando por seis meses no corte de cana, que o marido conseguiu comprar uma televisão, o único aparelho elétrico da família.
Distante 99 quilômetros de Recife, Gameleira tem 27 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo: 0,590. Em 2008, estudo do Departamento de NUTRIÇÃO.da Universidade Federal de Pernambuco apontou que 88% da população viviam em situação de insegurança alimentar.
– Há seis anos, a situação era ainda mais grave que a atual. Gameleira, Ribeirão e Água Preta formam o triângulo da pobreza, onde, na década de 70 do século passado, o
NUTRICIONISTA Nelson Chaves denunciou a formação de uma geração de nanicos, devido à DESNUTRIÇÃO – explica Maria Auxiliadora Ferreira, NUTRICIONISTA da rede municipal de saúde.
A prefeitura implantou programas de reforço nutricional nas escolas e criou o "ALIMENTAÇÃO é Vida", de atendimento às 370 famílias mais miseráveis do município. O cadastro do Bolsa Família soma 4.500 beneficiados, e o índice de mortalidade infantil tem caído. Eram 48,6 por mil nascidos vivos em 2004, contra 16,6 em 2008 e 11,45 em 2010, segundo o Secretário de Saúde, José Tarcísio Feijó de Melo.
Mesmo assim, a pobreza ainda é visível. Na Zona Rural, o quadro também é crítico. — Quando acaba a safra, ninguém passa necessidade não. Passa fome mesmo. A gente planta uma mandioca e trabalha na casa de farinha. Meu marido conserta motor de moto, e assim a gente vai levando. Tenho Bolsa Família de R$68 por mês, é o que salva – diz a lavradora Cícera Maria da Silva, de 45 anos.