Notas do Cebes e da Abrasco sobre estímulos do governo federal para ampliação do acesso aos serviços privados de saúde
05/03/2013
1) Posicionamento do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes):
Cebes denuncia: ampliar mercado dos planos privados é mais um golpe no SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem sofrido sucessivas derrotas, sendo uma das mais emblemáticas e dolorosas a indigesta aprovação da Emenda Constitucional 29 sem a destinação dos necessários 10% da Receita para a saúde.
No dia 27/02/2013 a Folha de São Paulo 1/1-Cotidiano (FSP) publicou matéria intitulada “União quer ampliar acesso a Planos de Saúde”, segundo a qual a Presidenta Dilma estaria negociando com as grandes empresas do setor privado da saúde (Qualicorp, Bradesco e Amil) medidas de redução de impostos, ampliação de financiamento para infraestrutura hospitalar e solução para as dívidas das Santas Casas. Segundo o jornal, o objetivo seria o de facilitar o acesso das pessoas aos planos privados de saúde com o compromisso de elevar o padrão de atendimento, anunciando que setores do governo celebram esse pacote como uma nova marca para a saúde.
A notícia de um “pacote com medidas de estímulo” às empresas de planos e seguros do setor privado da saúde é mais um golpe no SUS, além de ser uma medida inconstitucional. A Constituição Federal de 1988 Art. 199 § 2º afirma que “É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”. Os planos e seguros de saúde são empresas que, por sua própria natureza, visam o lucro acima de tudo, independente de jogar com a saúde e a vida das pessoas. Constituem-se em um poderoso e lucrativo setor sem compromissos com indicadores de saúde e sem controle social.
Quem precisa urgente de “estímulo” é o SUS, que contrário do que prevê a Constituição, está se tornando complementar as instituições privadas na prestação de serviços, sobretudo na atenção medica especializada e hospitalar. O atual governo pode passar para a história como um dos responsáveis pela extinção da possibilidade e viabilidade do SUS como um sistema público universal que deve oferecer atenção integral.
O Cebes, diante da notícia veiculada manifesta profunda preocupação com a hipótese que esta noticia seja de fato configurada como estratégia de governo e, tal como todo o movimento sanitário, encontra-se em alerta máximo contra essa iniciativa que compromete irreversivelmente o Sistema Único de Saúde como projeto de saúde para a sociedade brasileira.
É preciso lembrar o Governo de que a ampliação da oferta de planos de saúde para a classe media constitui um atentado ao direito à saúde e um retrocesso na consolidação do SUS como sistema universal, integral e de qualidade, além de representar uma perversa extorsão para a população que paga barato, mas tem plano com cobertura de atendimento restrita que não dá conta das necessidades de saúde das pessoas. É falacioso e desonesto atribuir mérito da desoneração do SUS a esta estratégia da expansão da oferta de planos privados.
O Movimento Sanitário integrado por intelectuais, pesquisadores, estudantes, gestores, profissionais de saúde, movimentos sociais de usuários do SUS e ativistas, vem reclamando por mais recursos orçamentários para o SUS por constatar a precariedade da assistência oferecida fruto, dentre outras causas secundarias, do baixo investimento publico no setor saúde.
Nosso objetivo é consolidar o SUS constitucional que a população brasileira conquistou onde saúde é um direito universal e um dever do Estado. Por isso nossa posição é radicalmente contraria à expansão do mercado privado da saúde que se apresenta hoje financeirizado e comprometido eticamente com os interesses do capital, sem nenhuma responsabilidade sanitária. Da mesma forma seremos implacáveis na defesa de que seja cessada a sangria das transferências de recursos públicos para o setor privado, especialmente com a compra de serviços, em detrimento de ampliar a oferta de serviços públicos.
O Brasil precisa de um projeto estratégico de fortalecimento e consolidação do SUS, a noticia veiculada pela FSP leva a constatação de que, de forma deliberada ou não, prevalece sobre a saúde uma visão fiscalista, em que o fomento do mercado de planos aparece como solução “pragmática” para desonerar as contas públicas compondo o ideário de setores economicistas da atual coalizão governamental.
Em termos concretos, como desdobramento desse cenário político-ideológico, o subfinanciamento do SUS e a captura da ANS revelam uma opção pelo crescimento e pela autorregulação do mercado de planos de saúde, valorando positivamente o subsistema privado e a estratificação de clientela. Um desvio, ou melhor, um erro estratégico que fere de morte o artigo 196 da Constituição.
O elevadíssimo custo dos sistemas privados de saúde em países capitalistas que não contam com sistema públicos universais integrais como é o caso americano, tem induzido uma ampliação da intervenção governamental. Essa experiência deveria ser exemplar na defesa e fortalecimento do sistema publico brasileiro. Ao contrario, no Brasil, após a extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – uma vitória da oposição em fins de 2007 – observa-se no interior do governo Dilma, um franco interesse em ampliar os incentivos governamentais para o setor privado, apesar deste já contar com subsídios escandalosos.
Em razão das atuais circunstâncias históricas, o Cebes não acredita nem aposta que as relações mercantis do setor saúde poderão ser extintas por decreto e, nessa perspectiva dirigimos nossa mobilização para que as eleições presidenciais de 2014 constituam um momento oportuno para reagregar o bloco histórico identificado com os direitos sociais, com o SUS universal e com uma reforma sanitária que tenha como norte a solidariedade e os direitos sociais como referencia civilizatória.
2) Posicionamento da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco):
Nota oficial da Abrasco: A proposta de ampliação a planos privados de saúde é um Engodo
O governo brasileiro e representantes dos planos de saúde discutiram a ampliação dos planos privados para os segmentos C e D da população. O jornal Folha de S. Paulo (Cotidiano, 27/02) traz a informação de que um pacote de medidas está sendo gestado com vistas à redução de impostos e ao aumento de subsídios para expandir a assistência médica suplementar. Trata-se de um grande engodo pois, na verdade, o que se propõe são planos baratos no preço e medíocres na cobertura.
Somos contrários a essa privatização! É uma proposta inconstitucional que significaria mais um golpe contra o sistema público brasileiro. E o pior: feita por quem deveria defender a Constituição e, por conseguinte, o acesso universal de todos os brasileiros a um sistema de saúde público igualitário.
Além de inconstitucional, a proposta discutida é uma extorsão. Na prática, é uma escandalosa transferência de recursos públicos para o setor privado. Aliás, recursos que já faltam, e muito, ao SUS. O SUS é um sistema não consolidado, pois o gasto público com saúde é muito baixo para um sistema de cobertura universal e atendimento integral. O resultado é a falta de profissionais, a ineficiência da rede básica de serviços e o atendimento de baixa qualidade à população.
Autorizados pela ANS, proliferam planos de saúde restritos, com coberturas falhas.
São direcionados a trabalhadores jovens e saudáveis. Ao contrário do que afirmam, esses planos não ajudam o sistema público a enfrentar os problemas que devem surgir ou intensificar-se no médio e longo prazo, já que não são adequados para assistir idosos e doentes crônicos, cada vez mais numerosos. Os serviços públicos terminam por funcionar como espécie de resseguro, como retaguarda da assistência suplementar excludente.
Ao tornar os planos de saúde peças centrais do sistema de saúde, o governo brasileiro segue na contramão dos sistemas universais, que valorizam a solidariedade, a igualdade e a justiça social e não o lucro com a doença e o sofrimento.
Repudiamos essa agressão ao SUS e à população brasileira. Em uma sociedade democrática, que vislumbra o desenvolvimento social, é inaceitável a intenção do governo de abdicar da consolidação do SUS, ao apostar no avanço de um modelo privado caro e ineficiente.
A Abrasco reivindica o respeito aos preceitos constitucionais e, consequentemente, a garantia plena das condições para o funcionamento do SUS.